Guitarra

"Pedi-te um Rã e tu dás-me um Fol". Assim disse a fadista bêbeda ao nosso Walter nas suas funções de guitarrista substituto. Gostava de saber daquela guitarra empenada com cordas de aço. As manápulas do Walter faziam-na parecer de brinquedo, à guitarra. Mas não era. Mesmo da ferrugem da corda saía o som. E mesmo da ferrugem do ouvido saía a afinação. Cada um teria o seu Walter, eu tinha este: garrafa de rum despejada, guitarra desafinada mas apanhada à força da mão, a harmónica que eu fazia guinchar, sentado naquele sofá raso, em dia de muito calor. Cá fora. Lá dentro, era fresco. Como sempre será a brisa fácil e persistente. Sem complicações.

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Tarira Terceiro


Estávamos um belo dia no clube quando alguém se lembra de perguntar.
- Ó Tarira, “Tarira”, de onde é que vem esse nome?
Ao que responde o Walter:
- Aqui há uma data de anos, ainda no tempo da monarquia, o estado estava tão à rasca para arranjar dinheiro, que se lembraram de vender apelidos. Então, na altura o meu avô comprou o apelido Tarira. Ele foi o primeiro Tarira. Eu sou o Tarira III, Tarira Terceiro.

Viagem de regresso do Torneio da Marinha Grande

Torneio da Marinha Grande, Abril de 1999

Equipa do GX Peões de Alverca:
Walter Tarira – de Alverca
Luís Guimarães – de Alverca
Ricardo Santos – de Alverca
Abílio Martins – de Lisboa

Não sei como é que o torneio nos correu, mas como sempre, isso é o que menos interessa.

Termina o torneio e é hora de regressar a casa.
Walter ao volante:
- Então e agora como é que agente sai daqui? – pergunta ele para si mesmo.
- O melhor é seguirmos pela Nacional 1 – Disse eu. O melhor mesmo era irmos pela auto-estrada, mas com o Walter ao volante, a principal vantagem da auto-estrada, o poder andar rápido, esvanecia-se.
- Pois, mas como é que agente vai para a Nacional 1? Áh, estou a ver ali uma tabuleta a dizer Nazaré. Fui lá passar férias umas quantas vezes. Acho que me lembro do caminho de lá para Alverca.
Passado um bocado começamos a avistar o mar. Estávamos mesmo na Nazaré.
...
A viagem foi longa e animada, com o Walter a prestar muita atenção a tudo quanto era tabuletas, o Abílio a descrever as suas peripécias num torneio que jogara em Oviedo, o Luís a contar as piadolas do costume e eu a chorar a rir durante várias horas.
Ao fim de bastante tempo vejo uma tabuleta a dizer: “Mafra 5 km”
- Mafra? – disse eu admirado – O que é que nós estamos a fazer em Mafra?
- Não era bem por aqui que eu queria ver, mas pelo menos agora já sei onde é que estamos.

Com estes contra-tempos, o Abílio, que era o que morava mais longe do torneio foi o primeiro a chegar a casa.

Não sei quantas horas levámos, mas foi das viagens mais hilariantes das minha vida, especialmente para quem ia no banco de trás, onde estamos eu e o Luís.

Computador do Walter no torneio de Faro

Verão de 1998.
Torneio de lentas em Faro, organizado pelo Armando Lopes.

Os jogos são na Universidade e os jogadores ficam alojados na Residência de estudantes.
A equipa dos Peões sou eu e os 3 mosqueteiros: Walter, Ernesto e Augusto.
Eu e o Ernesto chegamos um dia antes para irmos jogar um outro torneio de semi-rápidas.

O Walter e o Augusto chegam à residência e dão a primeira vista de olhos ao quarto onde vão ficar. As condições eram boas.
- Maravilha – diz o Walter – era mesmo de uma mesa destas que eu estava precisar. Eu trouxe o computador e vou pô-lo aqui. Assim já vamos poder preparar as partidas. Mas aquilo é um bocado pesado. Vocês têm de me ajudar a trazer aquilo do carro.
- Sim, sim, claro Walter, vamos a isso – disse o pessoal que estava à volta. Eu por motivos de praia, ou piscina ou sesta, já não me lembro bem, não estava presente.
Chegam ao carro e o Walter começa a organizar a equipa.
- Fulano, se não te importas, pega aqui neste saco de roupa.
- Ernesto, leve o monitor, se faz favor.
- Augusto, toma a caixa do CPU.
- Pronto, vou só fechar o carro e vamos para cima.
- Mas ó Walter – disse alguém no meio da multidão – então e tu? O que é que tu levas?
- Epá – responde o Walter - tens razão, já me esquecia. Não se preocupem. Eu levo o rato e o teclado.

Water, o “Hacker”

1997, os primeiros programas fortes de xadrez estavam a chegar a Alverca.
Ainda jogávamos nos Bombeiros de Alverca. Eu tinha na altura 13 anos.

Diz o Walter:
- Instalei uns programas novos de xadrez no meu computador. Aquilo é fantástico. Uma pessoa pode jogar contra o computador, analisar partidas, eu sei lá … Aquilo no nível mais forte é imbatível. Ó Ricardo, estes programas são capazes de te dar jeito, para te ajudar a subir no elo. O que é que tu achas?
- Sim, mas onde é que os posso obter?
- É muito fácil, eu dou-te isso tudo. Fazemos assim, tu levas o teu computador lá a minha casa e eu instalo-te isso.
- O computador? – exclamei eu; na altura ainda não haviam computadores portáteis, apenas computadores de secretária - isso não é um bocado grande?
- Não, não é nada. Não tens de trazer o monitor, isso é que é grande. É só mesmo a caixa do CPU.
- Humm… Está bem.
Consegui encontrar um saco grande o suficiente para poder carregar o computador e lá fui até à casa de Walter. Era perto, uns 300 metros.
Ligamos o meu computador e o Walter começou a meter as disquetes com os programas. Já não me lembro se a tarefa foi fácil ou não mas conseguimos pôr os programas a funcionar.
No fim eu exclamei admirado.
- Então mas … já está? Já está tudo a funcionar?
- Sim é como vês. Tens aqui tudo operacional. Agora já te podes preparar melhor para as “guerras dos subs”.
- Mas então, se só eram precisas as disquetes para instalar os programas, porque é que você não foi antes carregado com elas até minha casa, em vez de vir eu carregado com o computador até à sua?

( Tentativa de ) Acampar no Sul de Espanha

Setembro de 2002.
Torneio de semi-rápidas no Sul de Espanha, na região de Huelva ( perto da fronteira com Portugal).

Walter Tarira, Nelson Ferreira, António Vitor e Ricardo Santos a caminho da Andaluzia. O objectivo era acampar nessa noite num parque de campismo em Espanha e ir jogar o torneio no dia seguinte.
Chegamos já muito tarde ao parque, deviam ser uma ou duas da manhã.
O Walter levava uma tenda para ele e o Nelson e eu tinha outra para mim e Vítor. O Walter e o Nelson começaram a tirar as coisas do carro: mochilas, colchões, etc …
Entretanto eu afastei-me um bocado e comecei rapidamente a montar a minha tenda.
- Ricardo – diz o Nelson – porque estas a montar a tenda aí tão afastada da nossa?
- Hummm … É que de manhã o Sol deve nascer naquela direcção e assim aqui apanhamos a sombra destas árvores.
Ao que o Vítor, que estava ali mesmo ao meu lado, me respondeu:
- Mas agente vai-se levantar cedo, não sei se vale a pena estarmo-nos a preocupar com isso.
- Sim, o Sol de facto não é problema, mas eu já dormi várias vezes no mesmo quarto que o Walter e quando ele adormece, mais ninguém à volta consegue dormir. Aqui acho que estamos em segurança.
Montámos a tenda em 5 minutos e em pouco tempo estávamos a dormir.

No dia seguinte, toca o despertador, visto-me e meto o nariz fora da tenda. Qual não é o meu espanto quando vejo o carro do Walter sem nenhuma tenda à volta. Olhei em redor e não vi nenhuma tenda. Nem a do Walter, nem a de ninguém. O parque estava quase complemente vazio.
Saí e foi à procura deles. Não estava ninguém no carro, nas casa de banho também não, até que lá os encontrei num café a tomar o pequeno almoço.
Ena Walter - disse eu - isso hoje é que foi madrugar. Eu sei que eles aqui têm o hábito de começar os torneios à hora marcada, mas também não era preciso tanta pressa. A que horas é que vocês se levantaram para já terem desmontado a tenda e arrumado tudo no carro?
Ao que o Walter respondeu:
- Não fui nada disso. Eu trouxe a tenda mas esqueci-me dos ferros. Tivemos de dormir no carro.

Walter Tarira Medalhado

É verdade! Aconteceu em Faro.

Verão de 1999.
Torneio de lentas em Faro organizado pelo Armando Lopes.

Os jogos são na Universidade e os jogadores ficam alojados na Residência de estudantes.
Os quartos eram para duas pessoas em geral eles juntavam os jogadores do mesmo clube. Estava-se mesmo a ver com quem é que me ia sair na rifa: Walter Tarira.
Um belo dia, já lá p'ró fim do torneio, chego eu ao quarto, eram umas 8 da manhã, acabadinho de vir de Albufeira e a porta está trancada.
“Muito estranho” – Pensei eu. Nós só trancávamos a porta quando não estávamos no quarto e àquela hora era demasiado tarde para o Walter ainda estar de pé e demasiado cedo para já se ter levantado.
Truz, truz, … truz, truz, bati uma data de tempo à porta e lá veio o Walter abrir:
- O que é tu queres? Ainda tens a lata de aparecer aqui? Vai-te embora …
- Hã?? – apesar de estar a meio metro da porta ainda olhei à volta para garantir que não havia ali mais ninguém e que era mesmo comigo que o Walter estava a falar.
– Mas, senhor Walter, eu estou aqui alojado, o quarto é de nós os dois…
Após alguma discussão, o Walter lá me deixou entrar no meu quarto. Mas sempre a protestar.
- Se isto se faz? Eu já não tenho idade para estas brincadeiras …
Por momentos pensei que ele estivesse zangado por eu não lhe ter dito que na noite anterior ia sair para Albufeira. Mas afinal de contas, eu ir sair à noite, com pessoal do xadrez, para Albufeira ou para Faro, que diferença é que lhe havia de fazer? E entre chegar ao quarto às 5 ou às 8 da manhã o que é que ele tinha a ver com isso? Seguramente não era essa a razão do seu mau humor.
Os protestos continuaram por mais uma data de tempo.

Eu estava meio zonzo do cansaço. Tinha aquele conhecido “ piiiiiiiiiiiiiiii….” nos ouvidos, típico de quem passa muitas horas a ouvir musica aos altos berros, e ao mesmo tempo o Walter a protestar constantemente comigo.
Sinta-me completamente perdido no meio daquela bagunça e sem perceber porquê é que estava sentado no banco dos réus e nem do que é que estava a ser acusado.
Uns 20 minutos depois de eu ter chegado ao quarto entra o Rui Dâmaso, vindo não sei da onde, não da cama certamente:
- Então Walter, gostou do presente? Acordou bem disposto?
- Porra, nem me digas nada, já não há respeito pelos velhos…
- Walter, foi a brincar, continuamos amigos não é?
- Sim Dâmaso, claro que eu continuo teu amigo! Agora, daquele gajo é que não! – diz o Walter apontar para mim.
- Ó Walter não leve a mal. Foi uma brincadeira com amizade.
- Sim, não te preocupes, nós continuamos amigos. Eu não quero é ver mais aquele gajo à frente – novamente a apontar para mim – Se isto se faz. Apanha aqui o velho a dormir e mete-me uma medalha na testa!

Então finalmente fez-se luz na minha cabeça:
O Dâmaso entrou no nosso quarto, palmou uma medalha que eu tinha ganho uns dias antes e meteu-a na testa do Walter. E foi-se embora. Ao sair, bateu com a porta e o Walter acordou em grande sobressalto ao ver-se atacado por aquela medalha. Passados uns minutos chego eu ao quarto! E o resto da história é o que eu contei.

No fim das contas o Walter ficou todo danado na vida, o Dâmaso fez a festa e eu é que fiquei com as culpas.

Na altura não achei piada nenhuma a este episódio, agora, também ele me faz recordar o Walter com saudade.

Almoço repartido entre o Walter e o Ernesto

Torneio algures no Algarve.

Intervalo para almoço.
O Walter e o Ernesto mal acabam os jogos – normalmente os jogos que eles disputam antes da pausa para o almoço acabam depressa – e vão rapidamente para o restaurante.
Sentam-se e começam a investigar o menu.
- Ernesto, olhe isto aqui “Açorda de Marisco para 2 pessoas”. O que é que você acha? Nós damos cabo disto facilmente.
- Pode ser. Vamos a isso.
Após algum tempo, o almoço chega à mesa: grandes pratos, vários talheres e uma grande panela de Açorda.
- Sirva-se Ernesto, faço o favor.
O Ernesto tira duas ou três conchas para o seu prato, pensando: “Bem, quando acabar isto já tiro mais.”
Ao que o Walter exclama espantado:
- O quê! Você só come isso?! Está bem! Então com licença…
E despeja todo o restante conteúdo da panela para o seu prato.

Foi a última vez em que o Ernesto aceitou partilhar comida com o Walter.

Viagem de regresso do torneio de Odemira

Torneio de Odemira, Maio de 1998.

É Domingo, termina a última sessão. Dá-se a entrega de prémios e o conhecido beberete final.
É tempo de regressar.
Vai o Walter Tarira ao volante e mais 4 jogadores do xadrez no carro. Não consigo precisar exactamente quem.
Está um quente dia de sol e o Walter avista algo que lhe chama a atenção.
- O que é aquilo ali ao fundo? – mormorou o Walter num tom quase imperceptível para os demais - Ora é isto mesmo que eu estou a precisar.
O Walter pára o carro e sai.
Passam-se 5…, 10…, 15…, 30 minutos e o pessoal dentro do carro começa a ficar inquieto:
- Mas que raio! Onde é que o Walter se meteu? Já é tempo a mais para ter ido dar uma mija.
Ao fim de quase uma hora saímos do carro e começamos a olhar à volta. Nisto, o Paulo Conceição lá encontra o Walter estendido na ervinha à sombra dum chaparro.
- O Walter – grita ele - vamos embora, não podemos estar aqui a tarde toda!
Passados uns 5 minutos entra o Walter no carro dizer cobras e lagartos de tudo o que estava à volta.
O Walter passou o resto da viagem a dar cabo do juízo ao Paulo Conceição: “Uma pessoa já não pode dormir um bocado. Nunca mais te trago no meu carro!”, mas foi graças a ele que conseguimos chegar a Alverca antes das 10 da noite


Walter e a Policia de Trânsito

Sexta feira à noite. Jogatana no clube até às tantas e é hora de ir embora.
Diz o Augusto para o Walter:
- A esta hora já não tenho comboio. Levas-me a Vila-Franca? (Isto no tempo em que o Walter ainda tinha carro.)
- Sim, tudo bem, Eu levo-te lá. Vamos ver é se não apanho a policia. Tenho tudo em ordem no carro mas é sempre uma chatice. Quando te vou levar a Vila-Franca eles gostam sempre de me mandar parar, não sei porquê.

O Augusto lá chega a casa e o Walter regressa para Alverca. Entretanto aparece a policia: operação 'Stop'!
Verificam os documentos, fazem o teste do balão, etc …
- Pronto! - diz o policia – Está tudo em ordem, pode seguir viagem.
- Ainda bem. Mas porra! Sempre que aqui venho pôr um amigo meu a Vila-Franca vocês manda-me parar!
- Pois, sabe, é que você vinha a conduzir tão devagar que nós achamos suspeito; pensamos que tinha estado a beber.

Adeus

Eu por cá ainda estou um bocado "abananado".... ainda paira em mim um sentimento de incredulidade. O Vitor e eu fomos vê-lo ao hospital na 2ª feira e, apesar de acamado, ele ainda me parecia "rijo". Enfim, há coisas que por mais que lutemos, não conseguimos evitá-las.

Ainda me custa a crer que nunca mais vou entrar na sede dos peões e ver o Walter com o seu cachimbo e rabo de cavalo a disparar peças sobre as 64 casas de um tabuleiro aonde dois exércitos tentam fazer de tudo para sobreviver. Acho que me custa a desassociar a imagem do clube da imagem do Walter...

Ainda me lembro dos primeiros tempos em que apareci no clube e que o Walter me disse: "Sérgio, se alguma vez vieres cá e não estiver cá ninguém para fazer um joguito contigo, telefona-me. Eu moro aqui perto e ponho-me cá em 5 minutos.".
Eu perdi conta ao número de vezes que fiz uso desse telefonema :(.

Enfim, temos todos que pensar que o Walter está agora num sítio melhor. Agora é o tempo de ele rever os seus familiares amados que seguiram o caminho dessa estrada inevitável antes dele. Além disso, ele vai poder ver coisas que nunca viu ao vivo enquanto estava por cá. De certeza que deve haver um cantinho lá em cima, uma Valhala do xadrez, aonde os gigantes do xadrez se defrontam: Morphy, Steinitz, Lasker, Capablanca, Alekhine, Euwe, Botvinnik, Tal, Petrosian, Fischer... De certeza que o Walter vai ser uma figura assídua desses jogos.

Descansa em paz, meu amigo.


Walter Tarira com troféu

Walter e os Mórmons

Setúbal, algures nos anos 80.

É quase hora de almoço e o Walter, descansado da vida, está em casa.
Trimmm…
- Hummm… Estão a tocar à campainha. Quem será? – interroga-se o Walter.
Ele abre a porta e nisto aparecem-lhe à frente dois rapazes, muito bem vestidos, de camisa branca:
– Bom dia. Nós vimos por parte da igreja Mórmon e gostaríamos de lhe dar a conhecer a palavra do Senhor.
– Ora façam favor de entrar....
– Sentem-se, estejam à vontade.
– Ora vocês vêem aqui para a falar no Novo ou do Velho Testamento? – pergunta o Walter como que a querer fazer um ponto da situação.
- Ahh?? Como ? … Bem … ahaaaa …
- Bom, então – diz o Walter - é melhor começarmos pelo principio …

Após 10 ou 12 horas de luta, os Mórmons renderam-se:
- Pedimos desculpa mas temos de ir embora. Foi um prazer conversar consigo.
- Sim, igualmente – Diz o Walter – Mas estejam à vontade, voltem amanhã. Ou na próxima semana…
- Aaaa… bem, por acaso nos próximos tempos vamos estar bastante ocupados.

E nunca mais foram vistos por aquelas paragens.

Walter Tarira

Morreu o Walter Tarira. Morreu o homem que me ensinou a suave e nobre arte de levantar vôo. Morreu a cigarra, neste triste mundo de formigas.

Adeus Walter! E que vivam os homens que nasceram para pensar.

Um abraço. Boino.

Histórias do Walter Tarira - Parte 2

" Walter o Animador"

Numa da minhas muitas idas ao clube, um dia levei o meu irmão na altura com uns 12 ou 13 anos.

Mal chegamos o Walter fez logo as despesas da casa, desafiando o Eduardo para umas "partidinhas".

O Eduardo tinha algumas bases que eu lhe tinha dado e alguma experiência de xadrez escolar.

O primeiro jogo desenrola-se equilibrado até uma uma determinada altura em que o meu irmão ganha uma certa ascência e acaba por ganhar. No segundo jogo a história repete-se.

Uau! pensei eu, temos jogador. Mais meia hora de conversa e vamos para casa.

Nos dias a seguir fiquei a pensar naquilo, como é que o Walter pode ter perdido com o meu irmão? Até que chego a lógica conclusão que só pode ter perdido de propósito.
Mas como? pensei eu. Eu até estava com alguma atenção aos jogos e não dei por nada.

A parti daqui fiquei de olho no Walter e nas suas partidas, e com o decorrer do tempo, apercebi-me que ele tinha uma técnica refinadíssima de perder, ele perdia quando queria sem os adversários ou espectadores darem por isso. Esta técnica demora anos a desenvolver e já era aplicada pelo Walter desde os primórdios do Xadrez em Alverca.

Para um "animador de xadrez" a técnica de perder é tão importante como a técnica de ganhar é para um "mestre".

Por fim esta técnica acabou por não funcionar com o meu irmão, mas certamente funcionou com muito outros, e melhor exemplo não pode ser dado com o Presidente de muitos anos do GXPA, o Ernesto Loureiro, que era descrito pelo Walter Tarira não como um amante do jogo do Xadrez, mas como um amante da Vitória.

Histórias do Walter Tarira - Parte1

Como forma de homenagear a memória do Walter Tarira, vou utilizar este espaço para contar os episódios que mais me marcaram na sua presença, convido os editores deste blogue a fazerem o mesmo.

Histórias do Walter Tarira -Parte 1

" Walter, o Estratega"



Depois de mais uma noite xadrezística no clube Peões de Alverca, o Walter oferece-se para dar-me boleia a casa. Quando estávamos quase a chegar, a nossa conversa é subitamente interrompida por uma sirene de polícia, seguida por um forte soco no vidro lateral do lado do condutor: "O senhor passou um vermelho ali atrás, e por que não parou logo quando ouviu a sirene? Os documentos, por favor!" disse o polícia.

Logo de seguida o carro foi rodeado por mais 3 oficiais, e de repente tínhamos entre nós 4 senhores com cara de muito poucos amigos entre nós.

A este momento, o que se devia passar (digo eu) na cabeça do Walter é que para além de ter supostamente passado um vermelho, não tinha a inspecção em dia, o selo era do ano passado, e o seguro estava caducado, no mínimo 3 ou 4 contra-ordenações muito graves. (eram pequenas distracções, pois eram coisas de alguns dias, quem é que não andou com carro sem inspecção ou sem seguro durante alguns dias?).
O que fazer aqui? "Childra"? Multas? Apreensão de Viatura? Eu no momento não tinha noção da gravidade da situação.

Para adicionar mais informação, os agentes eram GNR's, ou seja, membros do exercito, e o Walter tinha sido Oficial em Africa no tempo da guerra.

Depois de alguns segundos de conversa circunstancial, o Walter, perante a noção do que se estava a passar sai-se com a seguinte pergunta em tom afirmativo: "Quem é o Oficial mais graduado desta companhia?"

Este "forte lance" põe o Walter na posição de o agressor e remete a polícia para uma posição defensiva. A partir daqui é o Walter que passa a ter a iniciativa, que reforçava com a afirmação que tinha sido Oficial em Africa, e tinha combatido pelo país.

Mais tarde o Walter explicou-me que este tipo de discurso tinha subentendido a seguinte mensagem: "Vocês podem me multar, mas eu tendo sido Oficial, posso vos acusar de me terem faltado ao respeito durante a abordagem".

A história terminou pouco tempo depois com os polícias a pedirem desculpa e sugerirem que fosse tratar da renovação dos elementos em falta.

Eu na altura fiquei mesmo impressionado com esta história, onde entendi mais claramente que toda a estratégia que aprendemos com xadrez pode ser aplicada com a mesma eficácia a episódios da vida real.