Os pequenos reis

Devido a algumas dificuldades técnicas passageiras, este artigo não é colocado pelo seu autor, e colaborador do blogue, Walter Tarira, que me pediu expressamente para servir de intermediário na sua colocação nosso espaço do Alverca-X. Esperemos a continuação da publicação de preciosos textos por parte deste nosso querido colaborador.


Os pequenos reis


Muito conhecida é a parábola bíblica dos talentos – um senhor dá para duas pessoas a guarda de um talento – naquela época, uma moeda simbolizava um valor pecuniário, e, enquanto um o mantém, o outro aplica-o. O que guarda pensa ter agido bem, pois devolve incólume o valor recebido; mas só aquele que devolve mais do que recebe pode ser valorizado.
Assim é a vida. Do Criador recebemos talentos que devemos praticar. Todos nós recebemos pelo menos um; nunca convivi com uma pessoa que não tivesse sido contemplada com pelo menos um dom.
Múltiplas são as possibilidades dos homens na face da Terra para levar encanto, prazer, alívio, comodidade, segurança, saúde, beleza, etc, aos seus semelhantes. Pode-se desenhar, cantar, versejar, representar, tocar instrumentos, cozinhar, esculpir, confeccionar, leccionar, medicar, educar e vamos por aí fora, pois a lista de verbos é quase infinita. Todas são actividades meritórias.
Segundo Edward Lasker, no seu livro Aventura no xadrez, em só três actividades humanas são conhecidos meninos prodígios: na matemática, na música e no xadrez.
Na música o rol é impressionante: Mozart compôs aos 4 anos, Chopin (autor do célebre “Noturnos”), Lizst, Schumman (com os seus lieders, cantatas acompanhadas ao piano), Brahms, Bela Bartok, Debussy (com as suas incríveis sonoridades), isso para não falar em Beethoven, cuja nona sinfonia é muitas vezes citada como a mais bela obra de arte criada pelo homem. Há alguns contra exemplos. John Sebastian Bach, cujas fugas revolucionaram o estático mundo da música da sua época, é considerado unanimemente como um dos mais geniais autores de todos os tempos, começou a compor somente aos 19 anos.
Na matemática também há exemplos impressionantes: Carl Friedrich Gauss, nascido em 1777 e morto em 1855, na Alemanha, foi extremamente precoce.
Aos três anos efectuava contas aritméticas de cabeça. Célebre é a sua história que, quando o professor impôs à classe travessa o castigo de somar de 1 a 100, Gauss calculou em segundos a resposta, usando a propriedade das somas das progressões, que ele mesmo deduzira de cabeça.
De família extremamente pobre, filho de camponeses, Gauss possibilitou, com a teoria dos algoritmos (sua) dos mínimos quadrados calcular o tamanho e a forma do planeta Terra.
Facto curioso é que dentre os 40 mais importantes matemáticos do mundo, não há nenhuma mulher e, para o meu próprio bem, não procurarei nenhuma explicação. Lembro também que compositoras de música e jogadoras de xadrez são também raras, ainda bem que temos a Judit Polgar no tabuleiro para evitar a generalização.
A precocidade não é, contudo, exclusiva da genialidade. Einsten não falou até os três anos de idade e consta que não foi aluno brilhante. Será que não falava porque estava a pensar?
Voltando ao xadrez, a ocorrência de meninos prodígios é bastante comum. Rotineiramente, a imprensa especializada divulga o surgimento de novos génios do xadrez; foi assim com o Brasileiro Henrique da Costa Mecking –, o francês Etienne Bacrot, o ucraniano Sergey Karjakin e Teimour Radjabov do Azerbaijão, estes recentes.
Phillidor também foi precoce e, o que é mais espantoso, foi um dos poucos homens a destacar-se no xadrez e na música. Um outro nome que podemos citar nessas duas áreas é o do grande mestre e exímio pianista russo Mark Taimanov.
Samuel Reshevsky viajou pelo mundo jogando simultâneas de xadrez aos 6 anos de idade.
Um conceito relativamente moderno, oriundo das pesquisas neurológicas levadas a cabo em especial nos últimos 20 ou 30 anos levantam uma hipótese importante: o chamado “efeito Mozart”, no qual pessoas que ouviram música desse artista têm momentaneamente aumentado o seu QI, principalmente para matemática, xadrez, ciência e engenharia. Vale a pena tentar, quiçá o Walter e o Loureiro, após ouvirem um concerto inteiro, possam vir a jogar por alguns instantes, como um grande mestre.
Parece que a mesma área do cérebro é responsável pelas três actividades (música, xadrez e matemática), o que explica a sua auto-relação e o facto de só nesses campos serem conhecidos meninos prodígios.
Pessoalmente, creio que as maiores realizações de um artista podem estar na sua fase inicial, quando o seu ímpeto criativo ainda não foi reduzido pela fama e a consequente “obrigação de ganhar”.

Brasil, 05 de Maio de 2005

Walter Tarira