"La Topadora" Topalov

Termina hoje o Campeonato do Mundo de Xadrez, em San Luis, na Argentina. Com um total de oito participantes, a prova disputa-se num sistema de "todos contra todos" a duas voltas, ou seja, cada participante efectuará um total de catorze partidas. O evento, organizado pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE) pretende reunificar o título de Campeão do Mundo, pondo fim à confusão instalada no universo xadrezístico desde 1993, com o célebre episódio protagonizado por Kasparov e Short.

Para quem não se lembra, em 1993, Kasparov era o campeão em título e Nigel Short havia derrotado Karpov na final do torneio de candidatos, ganhando assim o direito de desafiar o Campeão. No entanto, divergências relacionadas com verbas, levaram Kasparov e Short, que conseguiram um fundo de prémios superior ao obtido pela FIDE, através de uma organização criada para o efeito e entretanto extinta: a PCA (Professional Chess Association), a não participar na prova máxima da FIDE. O braço de ferro entre Campomanes (na altura, o presidente da FIDE) e Kasparov não se desfez e este último, juntamente com Short, abandonou a FIDE, realizando-se assim o seu match "privado". Esse encontro, ganho por Kasparov, ficou celebrizado pela frase de Kasparov: "It will be a match with Short, and it will be a short match!". Um engraçado trocadilho do grande campeão, Garry "Monstro de Baku" Kasparov.

A FIDE continuou o seu caminho e, dada a desistência de campeão e candidato, repescou o finalista derrotado do torneio de candidatos, o lendário Anatoly Karpov, e o semi-finalista derrotado por Nigel Short, o holandês Jan Timman, um das mais interessantes e profícuas personagens do Xadrez actual. Esse match, entre Karpov e Timman, ditou a vitória do russo que assim ostentou novamente (havia sido campeão entre 1975 e 1985) o título máximo do Xadrez. Assim, o panorama escaquístico ficou com dois campeões: Karpov e Kasparov.

A FIDE continuou a organizar o campeonato do mundo, tendo entretanto sido campeões o indiano Anand, o russo Khalifman, o ucraniano Ponomariov e, finalmente, o uzbeque Kasimjanov. Paralelamente, no campo oficioso, Kasparov foi derrotado em 2001 pelo seu compatriota Kramnik, terminando assim o reinado de invencibilidade do Monstro de Baku. Entretanto, ao longo de todos estes anos, muito se fez por reunificar o título, tendo a última tentativa sido a de organizar uma espécie de torneio de candidatos em Dortmund, com os melhores jogadores da actualidade, jogando depois o vencedor dessa prova, Leko, um match contra o campeão oficioso Kramnik, consistindo esse encontro numa semi-final. A outra semi-final seria jogada entre Kasparov e Ponomariov, na altura, o campeão da FIDE. Kramnik jogou recentemente contra o húngaro Leko, conseguindo, um pouco aflito, empatar o match (resultado que favorecia, e favoreceu, o russo), num encontro pouco entusiasmante, dado o estilo pouco empreendedor e quase "comercial" de ambos os jogadores. Infelizmente, por razões várias, o encontro entre Kasparov e Ponomariov não se chegou a realizar. Terá sido por isso que, há uns meses atrás, Kasparov anunciou a sua retirada da competição.

Finalmente, a FIDE convidou para este torneio o campeão FIDE e o finalista derrotado(Kasimjanov e Topalov, que perdeu a final do campeonato do mundo de 2004), Kramnik e Leko (os dois homens do "oficioso") e quatro jogadores escolhidos entre a élite mundial de acordo com um conjunto mais ou menos justificado de critérios. Kramnik recusou, afirmando esperar pelo vencedor desta prova para defender o título, naquilo que se poderá confundir com uma fuga, infelizmente típica na História do Xadrez (esconderam o título quanto puderam Lasker, Capablanca, Alekhine...). Desta vez, Kramnik não terá sorte nenhuma: Foi convidado, não aceitou, paciência.

O Campeonato do Mundo que hoje termina conta assim com a participação de Veselin Topalov da Bulgária, Vishy Anand da Índia, Judit Polgar e Petar Leko da Hungria, Svidler e Morozevich da Rússia, Kasimjanov do Uzbequistão e Michael Adams de Inglaterra. De fora ficaram nomes como Ivanchuk, Shirov, Ponomariov, Kramnik e Kasparov, mas o conjunto de jogadores em prova garantem a qualidade de um Campeonato do Mundo.

Na primeira volta da prova, Topalov dizimou por completo a concorrência, fazendo lembrar o lendário Fischer nos seus melhores anos, empatando apenas uma partida e vencendo todas as outras: Algo de pouco habitual num torneio desta força! Absolutamente sensacional, a performance de "La Topadora" (Bulldozzer em castelhano) na primeira parte do evento. O búlgaro, residente em Salamanca, geriu a sua enorme vantagem ante os mais directos opositores, Anand e Svidler, tendo garantido, com uma sequência de seis empates, o primeiro lugar a uma jornada do fim. Anote-se que Topalov sempre foi o jogador que mais lutou, tendo as suas partidas ao longo da prova sido sempre as últimas a terminar, acumulando por isso mais cansaço (uma partida dura habitualmente três a cinco horas, tendo Topalov jogado bastantes acima da sexta hora), explicando-se assim a aparente quebra na segunda volta.

Em suma, o Xadrez encontrou o seu Campeão: Veselin Topalov.


O Campeão do Mundo: Veselin TOPALOV

Por último, um dado curioso: A última partida jogada por Kasparov na sua carreira foi contra Topalov em Linares, Espanha, ainda em 2005. Kasparov perdeu, tendo sido "apanhado" pelo búlgaro no primeiro lugar do mais importante torneio do calendário xadrezístico. Por um critério de desempate algo estranho, Kasparov foi aclamado vencedor da prova, mas teve de repartir o dinheiro com o búlgaro. Após essa derrota, o russo fez a sua célebre declaração de abandono da competição. Premonitório, este Kasparov!

(Publicado em simultâneo em Meia Livraria)